O Rio Grande do Sul tem o maior Banco de Pele do Brasil. Localizado dentro do hospital Dom Vicente Scherer do complexo hospitalar Santa Casa de Porto Alegre, o local foi inaugurado em julho de 2005 com o objetivo de atender a demanda de pacientes queimados com dificuldades de cobertura cutânea. A portaria que permitiu a retirada da pele de cadáveres surgiu em 2007. Em 2009, o SUS reconheceu o Banco de Pele gaúcho e a pele como órgão para transplante. Além da Capital gaúcha, existem mais dois bancos de pele em atividade no Brasil: em Curitiba e São Paulo.
A pele proveniente do Banco de pele é um curativo biológico temporário, uma vez que veio de outra pessoa da mesma espécie – no máximo quatro semanas – e é usada em pessoas com queimaduras de 3º grau, caracterizada pela necrose (morte do tecido). Pode ser uma proporção pequena ou ocupar toda a superfície do corpo. Alguns pacientes têm queimaduras de 3º grau que abrangem grande parte da superfície corporal. Eles não teriam pele do próprio organismo para doar para si mesmo, para fazer um enxerto. Para esses pacientes graves, surge a oportunidade de usar a pele do Banco. “É uma pele que vem de cadáver, de quem doou outros órgãos, entre eles a pele. Essa pele vem para o Banco, onde é trabalhada, descontaminada e, posteriormente, fica pronta para doação. Esse tecido cobre a ferida por até quatro semanas quando começa a desintegrar e se soltar”, destaca o diretor do Banco de Pele da Santa Casa de Porto Alegre, Eduardo Chem. Ele acrescenta que as pessoas podem receber doação de qualquer cor de pele, porque ela não é definitiva, serve como curativo e se desintegra dias depois. Chem reforça que é muito importante avisar para a família que você é doador de órgãos e de pele.
Muitos ouviram falar na doação de pele na época do acidente da boate Kiss, em Santa Maria, em janeiro de 2013. O Banco de pele gaúcho foi contatado na época. Cinco jovens apresentaram queimaduras cutâneas extensas de 3º grau e receberam transplantes de pele.
“Os doadores de pele vão de uma faixa dos 10 aos 70 anos, mas o SUS repassa apenas dos 18 aos 60 anos. Mesmo assim, nós captamos com recursos próprios, sem nenhum incentivo” destaca Chem. Ele informa que a pele pode ficar armazenada até dois anos, mas até hoje não houve nenhum lote que ficou mais de um mês.
Atualmente o estoque do Banco de Pele está zerado porque a necessidade é muito maior do que a captação. Para o diretor, a falta de pele existe devido à burocracia, porque não há grandes incentivos e ganhos financeiros. “Os repasses via SUS são pequenos. São gastos R$ 950,00 para captar a pele de um doador e recebemos do SUS apenas R$ 800,00. O Banco de Pele vive financeiramente no negativo, mas ele recebe no processamento e no envio, conseguindo se manter no zero a zero. Lucro financeiro não há”.
Alternativa para queimados pode ser a Membrana Amniótica
Qual seria a opção já que existe pouca pele disponível no mercado? Uma alternativa que se usa em outros países é a membrana amniótica. Ela está em volta do feto e depois do nascimento da criança, via cesariana, ela é descartada. Ela tem uma propriedade semelhante à pele e pode ajudar na cobertura de um tratamento. “Somos o único país da América do Sul que não possui legislação vigente para a utilização da membrana amniótica. Na época da tragédia da Boate Kiss, solicitamos ao Ministério da Saúde autorização para usar a membrana amniótica que recebemos de outros países. Usamos nas vítimas da boate e também em crianças que estavam no HPS. Mais de 20 pacientes se beneficiaram com o uso desse material e tiveram ótimos resultados”, revela.
A normatização do uso da membrana amniótica para esta finalidade encontra entraves na atual redação do Decreto 2268/1997, que regulamenta a lei que trata da remoção de órgãos e tecidos humanos para a doação. O Sistema Nacional de Transplantes pretende encaminhar à casa civil, em breve, sugestão de alteração deste Decreto, possibilitando então a edição de portaria sobre o assunto.
Só na Santa Casa nascem em torno de 300 crianças por mês. “Se usarmos ao menos 100 membranas amnióticas desses partos, já nos ajudaria muito. Se você aborda uma família para falar sobre o uso da membrana amniótica, há grande chance de você ter sucesso, pois trata-se do momento mais feliz de todos”, afirma Chem. A dificuldade aumenta, segundo o especialista, quando é o caso da doação de pele após a morte, quando os familiares estão menos receptivos a esse tipo de abordagem.
No Rio Grande do Sul existem 10 leitos de UTIs para queimados no HPS e 30 no Cristo Redentor. Quando uma pessoa sofre queimaduras, é contatada a Central de Transplantes do Estado, que aciona o Banco de Pele, que por sua vez envia o material para o hospital onde o paciente está. Como não há pele em estoque, ou se faz o auto-enxerto (retirada de pele de outras regiões do corpo do próprio paciente) ou se faz o curativo.
Para doar pele, Chem esclarece que não há uma mutilação do corpo. É retirada apenas uma fina camada de tecido de regiões não expostas nos atos fúnebres, como coxa, braços, tórax abdominal e a região dorsal, não alterando a aparência da pessoa que está sendo velada.