Desmonte do Hospital Centenário de São Leopoldo ameaça médicos e pacientes
A Luta

Desmonte do Hospital Centenário de São Leopoldo ameaça médicos e pacientes

No dia 8 de novembro, o SIMERS protocolou um ofício denunciando o descumprimento, por parte do Hospital Centenário, de São Leopoldo, do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado em 2012. Na época, o Centenário sofria com a insuficiência de...

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17/11/2017 12:00

No dia 8 de novembro, o SIMERS protocolou um ofício denunciando o descumprimento, por parte do Hospital Centenário, de São Leopoldo, do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado em 2012. Na época, o Centenário sofria com a insuficiência de profissionais para completar a escala, a estrutura precária e a falta de insumos básicos. Hoje, cinco anos depois, os mesmos problemas continuam ocorrendo – e ajudam a contar uma história de desmonte e descaso. No final de setembro, em meio a uma crise financeira histórica, a instituição anunciou a suspensão dos atendimentos eletivos e de fora de São Leopoldo em neurologia. O expediente de interromper um serviço como forma de “solucionar” dificuldades não é novidade. Em 2015, a instituição já havia reduzido a estrutura para evitar seu fechamento. A unidade demanda, hoje, um custo mensal de R$ 9 milhões – destes, R$ 4,8 milhões são custeados pelo município de São Leopoldo. O déficit operacional é de R$ 6,46 milhões. Diretora do SIMERS, Clarissa Bassin acompanha de perto a situação desde 2011 e relembra que, na época, já alertava para a necessidade de revisão no modelo de gestão e financiamento do Centenário, sob pena de um desequilíbrio orçamentário em poucos anos. “Os gestores se vangloriavam de gastar algo próximo de 30% do orçamento da receita líquida do município com a saúde. No entanto, nós sabemos que os municípios não têm fôlego para arcar com os custos de todo o serviço”, recorda Clarissa. Passados alguns anos, aconteceu o que se desenhava: o orçamento foi reduzido, os salários dos servidores começaram a ser parcelados e a estrutura do Centenário se tornou alvo de um desmonte. Para a vice-presidente do SIMERS, Maria Rita de Assis Brasil, a trajetória do hospital reflete também a insuficiência na estrutura de atendimento em saúde. “O município tem a responsabilidade de prover esse serviço, por conta da municipalização plena. Mas o Estado não pode abrir mão de tentar, em uma regionalização da saúde, olhar o Centenário como um equipamento de saúde viável e necessário. A crise se mantém há anos e é preciso buscar soluções”, argumenta Maria Rita.

Neurocirurgia do Centenário foi suspensa

A área de neurocirurgia, que atendia toda a região, está com atendimentos restritos. Clarissa Bassin, do SIMERS, entende que a situação revela uma falta de preparo para gerir o serviço. “Os próprios gestores admitem que só vão conseguir fazer frente ao orçamento atual se houver reduções”, destaca ela. Atualmente, a área atende somente pacientes que residem em São Leopoldo, através de um plantão que funciona por sobreaviso. Uma realidade que expõe médicos e pacientes. “Estamos falando de tempo versus risco de morte. É um quadro inaceitável”, aponta Clarissa.
Entrada da emergência do Hospital Centenário, de São Leopoldo
O Centenário sofre com um número insuficiente de médicos. Foto: Arquivo SIMERS

Número insuficiente de profissionais

De acordo com o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), hoje existem 423 médicos atuando no Hospital Centenário. Na realidade, porém, o número é outro: até setembro, apenas 151 médicos atuavam de fato no local, segundo informação confirmada pela própria instituição. Clarissa explica que o CNES é muito utilizado por gestores, pelas auditorias e pelo Tribunal de Contas – mas ressalta que a ferramenta é “absolutamente falha”. “Não há interesse dos gestores em mostrar a realidade. O número de médicos faltantes no Centenário é muito grande”, avalia. Um rápido exercício ajuda a entender essa insuficiência. A emergência (adulta e pediátrica) do Centenário é a única em São Leopoldo. Para dar conta da demanda, seriam necessários de três e quatro clínicos e entre dois e três pediatras, simultaneamente . “Considerando que eles sejam contratados por 30 horas, já estamos falando em cerca de 60 médicos para fechar a escala da semana”, analisa Clarissa. Ou seja, sem considerar os outros setores, é possível se aproximar da metade do número total de médicos que realmente atuam no Centenário. Mas não é só a escassez de profissionais que preocupa. A vice-presidente do SIMERS destaca que as contratações costumam ocorrer em caráter emergencial, impedindo a construção do vínculo assistencial.

UTI clandestina

No documento endereçado à Promotoria de Justiça Pública Especializada de São Leopoldo, o SIMERS denuncia, ainda, outro problema recorrente: a transformação do pronto socorro em uma UTI clandestina, devido à superlotação. Enquanto os leitos adequados não vagam, os médicos plantonistas da emergência se veem obrigados a atuar como se fossem intensivistas para evitar uma desassistência ainda maior. Segundo Maria Rita, isso traz ainda mais riscos para o paciente, que fica em um local incapaz de prover o tratamento intensivo. “Na UTI, existe a necessidade de um acompanhamento mais próximo. E não apenas do médico, mas também de técnicos de enfermagem e enfermeiros, que precisam ter treinamento específico”, explica Maria Rita, que é também emergencista no Hospital Conceição, de Porto Alegre.

Desassistência já é realidade

O SIMERS cobra providências para que o déficit de médicos e a estrutura precária não afete ainda mais os pacientes. Em setembro, a entidade médica já havia relatado casos de complicações relacionadas à precariedade da estrutura no Centenário. Na ocasião, segundo médicos que atuam no local, uma paciente com quadro de acidente vascular cerebral (AVC) – área na qual o hospital é referência para cinco municípios da região – precisou ser deslocada até cidade vizinha para realizar a tomografia, já que o aparelho estava fora de funcionamento. Duas horas mais tarde, quando retornou para São Leopoldo, ela já estava com sequelas permanentes (que poderiam ter sido evitadas). Esse é apenas um caso entre tantos que ferem as definições previstas no TAC, em que o Centenário e o município de São Leopoldo se comprometeram a “manter, em plenas condições de disponibilidade, funcionamento e utilização, todos os materiais, medicamentos e equipamentos necessários à adequada assistência aos pacientes”. Mas é também uma amostra de como médicos e pacientes estão expostos a situações limite quando a saúde não é prioridade.
Tags: São Leopoldo Hospital Centenário crise histórica desmonte do Centenário

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