A partir de 2024, as mulheres passarão a ser maioria no exercício da Medicina. A afirmação é do relatório Demografia Médica no Brasil 2023, produzido pela Associação Médica Brasileira (AMB) e a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). O material destaca o crescimento no número de médicas nas últimas décadas, em comparação com a presença masculina no mercado de trabalho da categoria.
Enquanto o Brasil registrava, em 2009, 188.084 mil homens atuando na profissão e 127.818 mulheres, no ano passado já se percebe a redução nesta diferença, com 275.497 mil médicos e 260.372 médicas. E a projeção para 2024 mostra que haverá uma inversão na prevalência de gênero com o diploma de Medicina. Serão 299.749 mulheres atuando no mercado e 297.678 homens, o que representa 50,2% e 49,8%, respectivamente.
Dados que comprovam a superação das mulheres em uma profissão marcada pela desigualdade de gênero, ao longo da história. Para se ter uma ideia sobre a luta feminina dentro da carreira, só depois de passados 79 anos do surgimento das Faculdades de Medicina no País que a primeira médica recebeu o certificado, em solo nacional. Trata-se da gaúcha Rita Lobato Velho Lopes, formada na Bahia em 1887 e que abriu caminhos para as cerca de 260 mil mulheres que exercem a profissão nos dias de hoje — 15 mil delas apenas no Rio Grande do Sul.
Aliás, o pampa gaúcho foi responsável por nomes que marcaram a história da Medicina no nosso país. Além da rio-grandina Rita Lobato (1866-1954), a porto-alegrense Ermelinda Lopes Vasconcelos (1866-1952) e a pelotense Antonieta César Dias (1869-1920) foram as primeiras a conquistar o diploma. Pioneirismo que ainda inspira as mulheres na escolha dessa nobre profissão.
Aprendizado contínuo
É o caso da nefrologista e paliativista Lídia Beatriz Sá. Ela conta que a Medicina passou a fazer parte dos seus sonhos aos 12 anos de idade. “Já me atrevia a aconselhar pessoas no sentido de tentar ajudar, mesmo sem entender o porquê dessa impulsão”, confessa.
E desde a formatura pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em 1978, ela afirma que continua aprendendo com o exercício da profissão. “A atuação na área médica vai aperfeiçoando o ser humano sensível e, por isso, somos eternos aprendizes, tanto com os pacientes quanto com as doenças e com as famílias. Mas, principalmente, com os movimentos que a vida vai fazendo e com as expectativas que se transformam, a cada ano”, destaca.
Entre os aprendizados constantes, ela cita as mudanças que vem acompanhando em sua trajetória. “Hoje, posso afirmar que vejo o mercado de trabalho com outro olhar e não parece haver mais uma preferência masculina. Fico bem feliz de que o número de mulheres nesta área está aumentando e creio que a característica de ‘cuidar’ ainda é bem mais prevalente no gênero feminino, o que poderia explicar esse movimento”, comenta.
Contato com o próximo
Para Márcia Pires Barbosa, o aumento da presença das mulheres no mercado de trabalho médico é bastante visível e vai além. “Na minha turma de Medicina, era um terço de mulheres e dois terços de homens. Entretanto, vejo uma mudança nesse cenário e não só na nossa área, pois acredito que a mulher está realmente buscando os seus ideais. Sem falar que muitas mulheres que se identificam com a Medicina têm mais oportunidades nos dias de hoje”, destaca a ginecologista e obstetra.
Márcia relembra os motivos que a fizeram prestar o vestibular para um dos cursos mais concorridos, depois de quase se formar em outra profissão. “Fui aprovada em Engenharia Química aos 16 anos, pois sempre tive muita facilidade em matemática, física e química. Eu era uma das melhores alunas, mas sentia falta do contato humano. Quando fui para o estágio, percebi que minha trajetória profissional se resumiria em computadores e máquinas. Então, tive a certeza de que não era isso o que eu queria para o resto da minha vida”, ressalta.
Dessa forma, a Medicina foi para ela um divisor de águas, ao proporcionar a proximidade com o próximo. “Para mim, não existe nada mais fascinante no mundo do que a natureza humana. Gosto de gente, de ouvir, falar e de interagir com pessoas. Sem falar que, na Medicina, cada paciente é um universo novo. Estamos sempre aprendendo e todos dias nos deparamos com algo diferente”, destaca
Logo, a caminhada ao longo destes 25 anos de formada também trouxe muitos aprendizados, que resultaram na maturidade como mulher e profissional. “Com o passar do tempo, consigo entender que a gente alivia e trata a dor quando pode, pois temos limitações. Isso causa um impacto muito grande nas nossas vidas, uma vez que existem situações que independem da nossa capacidade. Como, por exemplo, entender que dois pacientes com a mesma patologia requerem tratamentos diferentes, esperam coisas diferentes e gostariam, inclusive, de resultados diferentes, mesmo a gente achando que sabe o que elas querem”, confessa.
Quebrando paradigmas
Apesar de concluir a graduação há apenas seis meses, a possibilidade de ajudar os semelhantes também motivou Natállia Boff a escolher a Medicina como profissão. “Desde pequena eu sonhava em ser médica, em descobrir o que as pessoas tinham e ajudá-las, dentro do possível. Algumas vezes só ouvindo, outras aliviando a dor e, em muitas oportunidades, curando. Sempre achei lindo e mágico”, afirma.
Entretanto, ela ressalta que o caminho das mulheres desde a aprovação no curso escolhido, passando pela conquista do diploma até a consolidação da carreira médica, ainda precisa desviar de preconceitos. “Eu imaginava que, a partir de formada, com meu jaleco, as pessoas me respeitariam como médica. Porém, em diversas situações, os próprios pacientes se referem apenas aos homens como médicos”, lamenta.
Ela lembra de uma das primeiras vezes em que participou de uma cirurgia, quando ouviu comentários machistas. “Infelizmente, vieram de pessoas que eu admirava, o que me frustrou muito e me fez repensar algumas situações, como na desigualdade de cargos e salários entre os gêneros, dentro da categoria. A maioria da sociedade ainda vê os homens como figuras de maior autoridade e acabam os ´elegendo´ para cargos melhores e com menor remuneração”, afirma.
Porém, saber que o número de mulheres na profissão será superior ao de homens, já no ano que vem, é uma vitória a ser comemorada. “Cada vez mais, as mulheres estão tendo a oportunidade de realizar os seus sonhos, quebrando paradigmas de que é preciso ser mãe e dona de casa. Com os avanços da Medicina, uma mulher que quer ser mãe pode esperar até os 30/40 ou 50 anos e, com isso, construir previamente uma carreira”, defende.
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