Trabalhar em emergência é aprender a gerir o caos diariamente. Pelo menos essa é a realidade no Brasil. Com salas superlotadas e falta de leitos, os médicos emergencistas precisam se desdobrar em dois – quando não mais do que isso – para dar conta da demanda. Em 2015, no entanto, o país deu um importante passo para melhorar essa realidade.
Em outubro do ano passado, a Associação Médica Brasileira (AMB), o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM) reconheceram, oficialmente, a especialidade de emergencista. Mas como essa medida altera a rotina da população e de quem atua na área? Mais do que isso, quais são as perspectivas para o futuro? Essas e outras perguntas foram respondidas por especialistas no assunto.
A realidade da atuação em emergência
Quando uma pessoa sente alguma palpitação estranha no coração, ela prontamente busca um cardiologista para consultar. Conversa com amigos, busca referências na internet e escolhe. Como explica Ana Paula da Rocha Freitas, coordenadora da residência em Emergência Médica do Hospital de Pronto Socorro (HPS), isso não acontece com o emergencista.
“A especialidade é diferente de qualquer outra. O paciente não nos escolhe, ele chega até a emergência e é atendido pelo médico que está de plantão naquele momento”, detalha. Não existe uma relação prévia de confiança, mas ela precisa ser construída ao longo do atendimento.
Agir sob pressão e risco faz parte do dia a dia do médico que trabalha em uma emergência. Afinal, a máxima de que tempo é vida faz ainda mais sentido para o profissional dessa área. Lidar com tudo isso exige preparo específico, embora essa nem sempre seja a realidade.
“Quem fazia e quem faz ainda o serviço de emergencista são médicos que priorizaram esse atendimento. Muitos deles têm um treinamento bastante razoável para isso. Mas também temos aqueles em início ou em fim de carreira, que fazem desse trabalho algo eventual”, explica a vice-presidente do Simers, Maria Rita de Assis Brasil.
Outro problema encontrado diariamente é a já conhecida superlotação, que dificulta o atuação do médico e representa uma violação aos direitos humanos do paciente. Para se
ter uma ideia, a emergência do Hospital Conceição, a maior do Estado, conta com 64 leitos. No mês
de outubro, a média diária de pessoas internadas foi de 139.
O que muda com o reconhecimento
Para Luiz Alexandre Alegretti Borges, presidente da Associação Brasileira de Emergência (Abramede), a validação da especialidade é também o reconhecimento de uma luta que durou duas décadas. Torna oficial aquilo que já era a prática na vida de muitos médicos - especialmente aqui no Estado,
pioneiro na área.
Desde o ano passado, já foram apresentados mais de 20 novos programas de residência para formar médicos emergencistas (tanto em pediatria quanto em emergência adulta). Também já existem pedidos para ampliar ainda mais o número de centros formadores.
Mas Ana Paula entende que só isso não basta. Para ela, o reconhecimento também precisa ser uma oportunidade para entender e qualificar o profissional que já atua na área, mas ainda não conta com formação específica.
Maria Rita destaca ainda a importância das resoluções criadas em 2014 junto ao CFM, a exemplo da 2.077/2014 e da 2.110/2014. Elas constroem, do ponto de vista das boas práticas médicas, uma parametrização do atendimento em emergência no Brasil. Ou seja, definem como esse profissional vai trabalhar, qual é a carga horária e o número de pacientes atendidos por hora.
“Então, com esse reconhecimento da especialidade, com essas resoluções que vieram um pouco antes e agora com as residências em medicina de emergência se multiplicando em boas faculdades, conseguimos qualificar o atendimento e a formação em emergência no Brasil”, pondera.
Mesmo que a mudança não possa solucionar diretamente o problema da falta de leitos, abre caminho para otimizar o serviço. Afinal, como lembra Alegretti, boa parte dos atendimentos são de pessoas que não precisariam estar ali, em um grande hospital de referência.