Muito tem se falado da fosfoetanolamina, a chamada “pílula do câncer”, que provocou um longo debate entre leigos e chegou a ser liberada por força de lei, sem passar pelas instâncias científicas responsáveis. Desenvolvida no campus São Carlos da Universidade de São Paulo para o tratamento de tumor maligno, a substância foi apontada como possível cura para diferentes tipos de câncer, sendo reivindicada por pacientes e familiares, mesmo sem ter passado por testes em humanos ou ter sua eficácia comprovada.
Outro tipo de droga que se popularizou sem reconhecimento científico ou testes que comprovem sua efetividade são os chamados nootrópicos. O coquetel de substâncias estimularia o cérebro, promovendo aumento da inteligência e concentração. Tanto a “pílula do câncer” quanto a “pílula da inteligência” não têm registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária, não podem ser consideras remédios e seus efeitos sobre os pacientes ainda são desconhecidos.
Eficácia e segurança
No Brasil, a Anvisa é o órgão responsável por definir os critérios e as etapas necessárias para a liberação de um novo medicamento à população, com segurança e embasamento científico. Sua Câmara Técnica de Medicamentos tem a função de padronizar critérios de análise e da emissão de pareceres sobre temas controversos.
Ainda em 2004, antes mesmo da polêmica sobre a fosfoetanolamina, a Anvisa adotou a postura de não aprovar o registro de medicamentos oncológicos novos que não tenham comprovado sua eficácia por ensaios clínicos controlados, independentemente de terem sido registrados por agências reguladoras de outros países. Até que as evidências sejam apresentadas e aceitas no Brasil, os produtos só podem ser utilizados em ensaios clínicos e em programas de acesso expandido, situações em que o ônus permanece com as empresas farmacêuticas, sem ser transferido ao Sistema Único de Saúde.
Como norma geral, medicamentos no Brasil são registrados na Anvisa por sua Gerência Geral de Medicamentos (GGMED), que inclui gerências específicas, como a de Medicamentos Novos, Pesquisa e Ensaios Clínicos. “Medicamentos novos” é, na prática, o termo utilizado para se referir a remédios com princípios ativos sintéticos e/ou semissintéticos. Para serem aprovados, os medicamentos devem passar por avaliações que atestem sua eficácia e segurança, através da análise de estudos pré-clínicos (ou não-clínicos) e clínicos, subdivididos em pelo menos três etapas. Estes testes são realizados por câmaras técnicas constituídas por um número variável de especialistas, em geral médicos e professores universitários de reconhecida experiência em diversas áreas da Medicina, e devem ser feitos de forma transparente, com as análises farmacotécnica e de eficácia e segurança correndo em paralelo.
Também em 2004, foi publicada a Resolução RDC 219, que visa a diminuir a burocracia nesse processo, a fim de possibilitar que determinados medicamentos possam ter uma aprovação acelerada. Isso ocorreria antes da conclusão de estudos da fase 3, mas não sem passar por ao menos duas etapas de testes clínicos.
Fosfoetanolamina
O composto da fosfoetalonamina sintética, estudada há 20 anos na USP, ficou conhecida como “pílula do câncer” e logo se popularizou através das mídias sociais. Por algum tempo, cápsulas foram fornecidas em São Carlos, mas a universidade proibiu a produção e distribuição, destacando que a substância “não é remédio”, que não existe demonstração cabal de que tenha ação efetiva contra a doença e que não passara por testes clínicos nem tem registro na Anvisa.
A proibição gerou controvérsia entre doentes em tratamento contra o câncer, que alegam estar sendo privados da chance de cura. Desde então, pacientes passaram a recorrer à Justiça para ter acesso à fosfoetanolamina. Por isso, novos estudos foram agilizados e, neste mês, concluiu-se que a fosfoetanolamina não teve eficácia contra as células de câncer de pâncreas ou melanoma. No caso do câncer de pulmão, a substância foi capaz de reduzir a viabilidade celular em 10,8% e a proliferação em 36,1%, o que é considerado baixo potencial contra os tumores.
Nootrópicos
O coquetel de compostos químicos e substâncias como vitaminas e aminoácidos, que podem ser comprados em lojas de suplementos e de produtos naturais, compõe a “pílula da inteligência”, que se popularizou no Vale do Silício (EUA), região considerada a capital da indústria da tecnologia. O nome vem do grego "nóos" (mente ) e "tropo" (direção). A promessa de ficar mais esperto apenas tomando uma pílula, e sem efeitos colaterais, ganhou o mundo a partir do filme
Sem Limites, em que um escritor fracassado passa a utilizar 100% de sua capacidade cerebral graças a uma droga.
Além de serem vistos com ceticismo pela comunidade científica, os potencializadores cognitivos não têm qualquer respaldo da Anvisa, nem quanto à eficácia nem em relação à promessa de que não traria efeitos colaterais ao corpo. Alguns coquetéis, inclusive, contam com uma substância reconhecida no tratamento de transtornos como hiperatividade e narcolepsia, que podem causar arritmia e ansiedade.
Atenção
O SIMERS reforça que a prescrição de medicamentos é ato exclusivo do médico. Pacientes não devem se utilizar de remédios sem a devida indicação profissional, especialmente sem que haja registro das autoridades sanitárias. A automedicação e o uso irracional de remédios contribuem para o aumento de casos de intoxicação e efeitos colaterais danosos. Apenas o médico, após realizar o atendimento clínico, pode fazer a reflexão que cada caso exige e tomar a decisão sobre o caminho terapêutico a ser adotado.