Os profissionais da saúde pública já lidam com severas adversidades financeiras, estruturais e de gestão para dar conta da atenção básica, passando por todos os níveis. Nessa realidade, controlar o surto de uma patologia como a microcefalia exigiria um esforço conjunto que assusta até mesmo os médicos mais experientes. Há quase 30 anos o médico Rudimar Riesgo acompanha famílias e trata pacientes que convivem com a doença que recentemente se tornou conhecida do grande público e amplamente divulgada, com o aumento de casos associados ao zika vírus – transmitido pelo mosquito Aedes aegypt. Para ele, o desafio agora é lidar com tantos registros simultâneos da doença.
Chefe da Unidade de Neuropediatria do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Riesgo alerta para a importância da criação de medidas que visem entender o crescimento da doença que provoca má formação na cabeça e cérebro de bebês e, na maior parte das vezes, está associada a dificuldades de desenvolvimento. Também aponta para a necessidade de ações para evitar que mais crianças sofram as consequências dela, especialmente por que o aumento da demanda implicaria na necessidade de mais centros e especialistas dedicados ao atendimento desses pacientes.
Riesgo ressalta que a doença não é novidade e seus primeiros registros datam da Idade Média. O que muda no cenário atual é o crescimento no número de crianças nascendo com microcefalia. Conforme um boletim epidemiológico do Ministério da Saúde divulgado no dia 02 de fevereiro, já são 404 casos confirmados e mais de 3 mil suspeitos no Brasil. “Vejo com preocupação esse índice. É algo inédito na história, especialmente se considerarmos que um mosquito pode ser o causador disso. Essa situação cria uma nova demanda que exige uma resposta rápida e eficiente dos governantes e também da população”, adverte.
O médico garante que a assistência médica e multidisciplinar não é alterada. Segundo ele, independente da causa da doença, todos os acometidos por ela vão precisar de cuidados como estimulação precoce, fisioterapia e outras terapias de acordo com as áreas afetadas, que podem ser fala, comportamento e aprendizado. “Não existe um tratamento padrão, pois cada pacienteterá suas particularidades, terá uma região do cérebro afetada e procedimentos indicados a seguir”, explica.
O especialista conta que a maior parte dos casos atendidos no HCPA são derivados do Complexo de TORCH - um grupo de doenças infecciosas que podem acometer gestantes. A sigla corresponde as iniciais, em inglês, de toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus e herpes. Também são consideradas as mães que tiveram sífilis, hepatite B e C e HIV. Estas são algumas das infecções mais importantes durante a gravidez que podem repercutir na saúde do feto, causando a microcefalia e outras enfermidades.
O coordenador da Unidade de Neuropediatria do HCPA revela ainda o sentimento dos médicos ao lidar com as famílias dos seus pacientes. “É muito difícil contar para os pais que seus filhos têm um problema que certamente vai lhe causar algumas limitações bem importantes. Nosso trabalho é, além de oferecer todo o suporte médico, ser acolhedor nesse momento tão delicado”, destaca, afirmando que o setor do hospital atende cerca de 15 mil crianças com doenças cerebrais até os seus 18 anos.
Ainda que o Rio Grande do Sul não tenha registro de microcefalia associada ao zika vírus, os profissionais que atuam na área estão atentos as notificações que ocorrem especialmente no nordeste brasileiro e a pesquisas que estão sendo desenvolvidas na área. A Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou na segunda-feira (1º) estado de emergência sanitária mundial por conta da ameaça do zika vírus.