Com salários atrasados e sem garantias: as dificuldades do jovem médico
Há quem ache que entrar no curso de Medicina é sinônimo para um futuro garantido com bons salários e estabilidade. A realidade, no entanto, é outra. Além da constante sobrecarga de trabalho e dos espaços de atendimento com estrutura precária, os profissionais...
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23/11/2016 16:20
Há quem ache que entrar no curso de Medicina é sinônimo para um futuro garantido com bons salários e estabilidade. A realidade, no entanto, é outra. Além da constante sobrecarga de trabalho e dos espaços de atendimento com estrutura precária, os profissionais da área enfrentam diariamente inúmeras outras dificuldades. Logo que saem da faculdade, por exemplo, muitos jovens médicos se deparam com a dívida do financiamento estudantil. Para dificultar ainda mais, descobrem que o atraso nos salários é frequente.
Foi o que aconteceu com o médico Raudi Fagundes. Formado em 2012, ele ainda precisa quitar R$ 170 mil do financiamento que fez para pagar o curso. Durante os poucos anos como profissional da área, também já experimentou de perto as dificuldades de chegar ao fim do mês sem ter recebido por seu trabalho – e ele não é um caso isolado.
Atualmente, o Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (SIMERS) negocia com prefeituras e hospitais de 15 municípios do Estado por problemas de pagamento. Em Taquari, um dos casos mais críticos, o atraso salarial se estende desde o mês de maio de 2015. Em Cruz Alta, já são dez meses.
Adaptação à realidade
Antes de se tornar acadêmico de Medicina, Fagundes já atuava como técnico em enfermagem. Logo depois de formado, precisou deixar alguns planos de lado e se adaptar à realidade. O primeiro passo foi criar um CNPJ. Em seguida, também começou a fazer concursos para atendimento em emergência.
Aos poucos, inverteu toda a lógica que havia planejado, em que se formava e fazia uma residência em psiquiatria. Ao invés disso, optou por uma especialização na área, que deixava mais tempo livre para buscar outros trabalhos que pudessem ajudar no pagamento das contas. Afinal, as parcelas do financiamento estudantil continuavam a chegar em sua conta e consumiam mais de R$ 2 mil de sua renda mensal.
“Eu tinha um ano de carência do financiamento após formado. Só que eu fiz a faculdade em sete anos, não em seis. Então, eu já tive que começar a pagar de cara, não teve aquele ano de espera. Essa foi a minha maior dificuldade. Precisei começar a fazer vários bicos para me manter”, explica.
Sem vínculos, sem garantias
Para ele, assim como viu acontecer com outros tantos colegas, a necessidade de se manter significou aceitar trabalhos em várias cidades diferentes, com jornadas em que um plantão era emendado ao outro. Uma realidade bem longe da ideal.
“Começa assim, as pessoas ligam, como se fossem agenciadores. ‘Olha, tem um plantão em Tramandaí’, aí lá tem uma enfermeira que fala de um plantão em Imbé. E aí começa essa rotina. Só que tu não tens vínculo nenhum com esses lugares e começam os problemas. Por exemplo, eu fiquei meses sem receber em Imbé, depois Tramandaí também acabaram atrasando um pouco”, relata o médico.
A saída encontrada foi, mais uma vez, a adaptação. Com medo dos atrasos, Fagundes buscou diversificar os locais em que trabalhava. Se o salário demorasse a ser pago em um, ainda existia a garantia de outro. Foi assim que ele passou por um sem-número de cidades, a exemplo de Rio Pardo, Imbé, Tramandaí, Lajeado, Taquara e Sapiranga.
Um estilo de vida como esse, é claro, tem seu preço. O tempo para estudar ficou escasso e as viagens cada vez mais cansativas. “Além disso, você chega em casa exausto e ainda não tem a garantia de que vai receber”, desabafa.
Outro ponto que pesa, na opinião de Fagundes, é a falta de suporte. Como não existe um vínculo empregatício, o médico vive na constante ameaça de que seu lugar pode ser ocupado por outra pessoa que se sujeite às condições impostas, como abrir mão do horário de almoço – ou ainda pior.
“Existe uma orientação para atender, no máximo, cinco pacientes por hora. Quando você está estabilizado, consegue ainda ter acordos coletivos e mais orientação de como agir. Agora, quando você faz esses bicos, começa a ir para qualquer lugar, eles ligam perguntando se tem disponibilidade para aquele dia, só que chega lá e pode ter dez por hora. Se você não atender, eles não chamam mais”, resume.
No fim de contas, o problema vai muito além dos salários. Conforme o profissional perde seus direitos e se vê obrigado a aceitar as condições de mercado, o atendimento que ele presta já não consegue ter a mesma qualidade. Os reflexos aparecem também para a população, já cansada de enfrentar longas filas de espera.
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