Médica alerta para o risco de mais casos de microcefalia no segundo semestre
A Medicina

Médica alerta para o risco de mais casos de microcefalia no segundo semestre

Em mais um plantão que fazia em outubro de 2015, a neuropediatra Vanessa van der Linden não acreditava que uma mera coincidência poderia explicar o nascimento de vários bebês com microcefalia na maternidade onde atua. A primeira atitude de Vanessa foi...

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18/04/2016 18:54

Em mais um plantão que fazia em outubro de 2015, a neuropediatra Vanessa van der Linden não acreditava que uma mera coincidência poderia explicar o nascimento de vários bebês com microcefalia na maternidade onde atua. A primeira atitude de Vanessa foi procurar a Secretaria da Saúde de Recife para pedir ajuda e alertar para a ocorrência. "Cheguei e disse que não sabia se estava ficando louca ou se tinha alguma coisa errada mesmo", relembrou a neuropediatra na sexta-feira passada (15), no auditório do Sindicato Médico do RS (SIMERS). Médica zika microcefalia Vanessa van de LindenConvidada para falar sobre aquele momento precursor e o prolongamento das ações e estudos que culminaram no reconhecimento internacional recente da relação entre zika vírus e a síndrome congênita, Vanessa teve por mais de uma hora uma plateia muito atenta de colegas. Vanessa gravou um depoimento em vídeo, que fará parte do acervo do Museu de História da Medicina (MUHM), ligado ao SIMERS, sobre as circunstâncias da identificação do problema, a orientação aos pais, como lidar com uma doença que é pouca conhecida e quanto aposta que a ciência poderá, agora que está firmada a conexão vírus e a síndrome, focar e avançar mais rápido nas soluções. A médica mostra preocupações. Ela cita que a incidência de casos no segundo semestre indica que a contaminação das gestantes foi entre março e maio, justamente o atual período. "Agora, por exemplo, pode estar aumentando de novo, mas só ficaremos sabendo dos efeitos em setembro ou outubro", projeta. Os efeitos, neste caso, são mais bebês com má formação e demais problemas. SIMERS – Como a senhora identificou a síndrome? Vanessa van der Linden - Tomografias indicavam características que eram parecidas principalmente de citomegalovirus e toxoplasmose, mas que fugiam um pouco do padrão dessas e outras infecções congênitas. Todos os exames nas crianças eram negativos. Isso chamou a atenção para dizer: tem uma nova infecção congênita, que está levando à microcefalia e lesões cerebrais. No começo fiquei em dúvida: será que não era coincidência nascer tantos pacientes com o problema? Na Medicina, temos sempre de pensar que vários casos apontam para algo estranho. Minha mãe é neuropediatra e trabalha em um hospital de referência do SUS, e na mesma época, ela havia notado a mesma coisa. Conversamos e concluímos que não era mera coincidência, que havia algo errado. Falamos com uma infectologista pediátrica e pedimos ajuda para investigar os casos. O que chamava a atenção era o número de casos em um período curto, com tomografia típica de infecção congênita, mas não de infecções que a gente conhecia. Além disso, várias mães diziam ter tido rach (pequenas manchas vermelhas na pele que lembram dengue) no começo da gestação. Como dengue não leva à lesão no feto, começamos a pensar em um novo vírus. Fomos à Secretaria da Saúde para pedir ajuda na investigação. Tínhamos montado um ambulatório no Hospital Universitário Oswaldo Cruz e também alertamos que qualquer bebê que nascesse com microcefalia precisava ser avaliado. Precisávamos entender o que estava acontecendo e tínhamos limitações para a solicitação de exames que não eram cobertos pelo SUS. SIMERS – Neste momento, vocês já tinham feito a associação com o zika vírus? Vanessa – Conversamos com um grupo do Hospital da Restauração, em Recife, estava investigando zika para a síndrome de Guillain-Barre, devido a casos registrados no começo de 2015 e nos quais se cogitava a associação com o vírus. Cogitamos que podia ser um desses vírus, o problema é que para  zika e chikungunya não se fazia exames no SUS, um problema para a nossa investigação. Foi aí que uma neuropediatra me alertou para que outro grupo, desta vez no Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, também em Recife, que estava pesquisando os vírus e já ligavam a Guillain-Barre e outras doenças neurológicas. Entrei em contato com o médico Carlos Brito , responsável pelo grupo. Quando relatamos que as gestantes haviam tido um rach rápido, que durava menos de 24 horas e que os casos deveriam estar no rol de doenças de infecção congênita, o Brito se empolgou, pois isso ia ao encontro das suspeitas de grande parte de casos notificados como dengue que podiam não ser esta doença. No começo deste ano, por exemplo, os jornais publicaram que dos 119 mil casos notificados como dengue apenas 39 mil foram positivos. Portanto, tem um número grande de registros que talvez seja de outras doenças. Juntamos as suspeitas e cresceu a possibilidade de relação com o zika vírus. Costumo dizer que, na realidade , foi um pensamento em conjunto, da neuropediatria, epidemiologia e infectologia. SIMERS – O que os recém-nascidos apresentavam?Médica zika microcefalia Vanessa van de Linden Vanessa – É interessante que, como trabalho na maternidade, acompanhei as crianças desde o nascimento e meses depois, pois também atuo no centro de reabilitação. Logo que o bebê nasce, o que se vê é uma cabeça pequenininha. Algumas podem apresentar má formação de membros, como pé torto, ou hipertonia, mas a maioria nasce bem, sugando direitinho. Depois desses primeiros dias, o que temos percebido é uma irritabilidade extrema, não em todos os casos, e hiper instabilidade, quando o bebê se assusta com tudo, além de um choro muito frequente. Com três a cinco meses, notamos o aparecimento de epilepsia nas crianças. Quando analisamos os exames de imagem, que mostra a região de neurônios, isso se justifica, pois já é de se esperar o problema. Alguns bebês também apresentam comprometimento visual e, uma minoria menor, auditivo. Um grupo menor ainda apresenta má-formações que chamamos de artrogripose, outra doença neurológica. SIMERS – Qual é o tratamento ou acompanhamento que estes bebês estão recebendo? Vanessa – Doença neurológica, principalmente em bebezinhos, é diferente de outras enfermidades. O quadro neurológico não está totalmente estabelecido nos primeiros meses de vida. Para isso, é preciso ter a maturação. Os bebês, no começo da vida, quase não usam o cérebro para pensar e dar comandos, tudo é muito por reflexo. Muita coisa só vai ser percebida à medida que a criança vai amadurecendo e teria de fazer determinadas coisas e não consegue. Por exemplo, o bebê pode sugar bem nos primeiros dias, mas depois quando tiver de usar a compreensão mais voluntária indica alteração na deglutição. Não posso chegar aos pais e dar prognóstico muito ruim ou não só porque a criança tem a cabeça muito pequena. Precisamos ver a evolução para poder entender melhor essa doença. Isso é importante, pois se não entendo a enfermidade não sei o que esperar ou pensar sobre sobre o tratamento. Claro, posso e fazemos isso, transportar o que conheço de outras doenças para tratar os casos. SIMERS – Muitos falam que podemos perder uma geração devido aos graves comprometimentos. Esse é o risco? Vanessa – Falar uma geração é muito grave, mas são muitas crianças ao mesmo tempo apresentando o problema. É muito difícil dizer que quem teve microcefalia ou outra lesão cerebral não terá comprometimento. Há casos mais leves e outros mais pesados. Também sabemos que pode ter criança que não tenha nascido com microcefalia e, lá na frente, poderá mostrar um quadro neurológico. De novo: é importante acompanhar esse grupo de crianças para entender essa doença e avaliar se o mais comum é um quadro mais grave, intermediário ou mais leve. SIMERS – O que os pais dessas crianças têm de fazer? Vanessa – É importante que entrem logo em um centro de reabilitação que trabalhe a estimulação precoce de uma criança que tem probabilidade de ter algum problema neurológico, mas ainda teoricamente não tem. Se eu vejo um problema no exame, passo a chamar de intervenção. As duas são importantes para desenvolver o potencial que a criança tem ou para prevenir complicações. É óbvio que não tenho como desenvolver um potencial que não existe, portanto, muito da resposta não depende só da reabilitação, mas do que a criança pode mostrar. A reabilitação não vai curar nem fará desaparecer a lesão cerebral, mas se a criança ainda tiver potencial, o estímulo do ambiente pode ajudar na formação das conexões cerebrais. Uma criança com problemas e que receber estímulos pode ter ajuda no aprendizado. Mesmo uma criança com grave comprometimento, sem estímulo pode ter piora do seu quadro, com deformidades, broncoaspiração e fazer pneumonia e ter risco de vida. Além de desenvolver potenciais, você minimiza complicações. Indo uma ou duas vezes por semana ao centro, os pais aprendem e podem continuar a fazer em casa as atividades. SIMERS – Como foi a reação dos órgãos da saúde e quanto as medidas estão ajudando a reduzir mais casos? Vanessa – Quando fui falar com o secretário da Saúde de Recife, disse que não sabia se estava ficando louca ou tinha alguma coisa errada mesmo. Gostei muito da atitude extremamente rápida da secretaria em notificar, chamar a atenção e se organizar para montar um protocolo. Até hoje temos uma relação muito boa. Eles (gestores) precisam da ajuda da parte clínica para dar continuidade. Este mês estamos fazendo um mutirão para atender os casos e definir os que têm infecção. Também foram definidas algumas medidas para aumentar as vagas no centro de reabilitação. A princípio, os pacientes estão chegando aos serviços. Mas não sei como será no longo prazo, porque já estávamos enfrentando dificuldade de vagas, além de falta de neuropediatras. Se as crianças tiverem muita epilepsia, precisarão desses especialistas. Há muita fila, pois não é só pacientes com microcefalia que precisam de tratamento. Está sendo feito de tudo neste momento inicial, mas não sei se conseguiremos dar todo o suporte a essas crianças e aquelas que têm outras doenças. No meu centro, são 130 crianças já atendidas. Em 15 dias, devemos chegar a 150 casos. São muitas crianças ao mesmo tempo. Médica zika microcefalia Vanessa van de Linden imagens tomografia com crânio mostrando a calcificaçãoSIMERS – Como está o ritmo de registros de novos casos? Vanessa – Temos de pensar que o bebê que nasce com microcefalia teve infecção entre sete e oito meses antes. Há relatos de infecção que a mãe teve com um mês de gestação ou cinco até sete meses. A gente sabe que o aumento de casos de microcefalia está ligado ao número de casos de zika vírus em mulheres grávidas. Em 2015, o pico de contaminação das mulheres foi de março a maio, e os nascimentos com incidência da infecção congênita foi em outubro e novembro. O número de casos de zika reduzem no segundo semestre. Agora, por exemplo, pode estar aumentando de novo, mas só ficaremos sabendo dos efeitos em setembro ou outubro deste ano. No hospital em que trabalho, este mês nasceu apenas um bebê com o problema. SIMERS – Intensificar as ações de combate aos mosquito Aedes aegypti ainda é o melhor caminho? Vanessa – Mas isso depende muito da população e nem tudo é tão fácil. As prefeituras estão fazendo ações, tem uma pontuação sobre o nível de infestação e que indicaria que estaria ocorrendo redução. Mas ainda há muito registro de rach nas emergências. Talvez se tenha de tomar mais atitudes, além de combater o mosquito. SIMERS – Adiar a gravidez é uma atitude recomendada? Vanessa – Enquanto não conhecermos a história natural de tudo que está ocorrendo – muita coisa ainda está sendo escrita e definido sobre essa doença, quem puder esperar é mais prudente. Não que a mulher não possa engravidar se não tomar os cuidados. Conversei com muitas mulheres que dizem que não têm como esperar. Então, se a pessoa tiver condição de planejar a gravidez e esperar um pouco é melhor. Até porque é estressante ficar com medo de pegar o vírus a gravidez inteira. SIMERS – Qual é o risco de uma mulher que teve contato com o zika contaminar o bebê? Vanessa – Não sabemos ainda. Há um grupo em Pernambuco que está estudando isso. Toda mulher que está grávida e tem rach faz exame. Se der positivo, ela é acompanhada. A partir daí poderemos ter uma melhor compreensão. Do primeiro grupo que avaliamos, com 38 casos, 80% havia tido as manchas na gravidez. Será que é muito ou pouco? O bom seria avaliar quantas não tiveram bebê com zika, mesmo tendo rach na gestação. SIMERS – Qual é a importância do anúncio do Centro de Controle de Doenças (CDC) dos Estados reconhecendo a relação do zika vírus e microcefalia? Vanessa – O mais importante é que dá foco para termos avanços mais rápidos. Precisava definir, pois enquanto isso não ocorrei, busca-se outras causas, o que divide esforços. Agora que está definida a causa, vão ser criadas medidas mais específicas. Apesar de os casos estarem sendo mais registrados no Brasil, principalmente aqui no Nordeste, países em todo o mundo estão de olho para evitar que chegue aos seus territórios ou mesmo a outros estados (Brasil). Acredito que a tecnologia será usada para tentar arranjar outra solução que não só a ajuda da população para controle do vetor (mosquito). SIMERS – O que significa para a Medicina brasileira o fato de médicos como você e seus colegas terem percebido a relação entre o vírus e a infecção? Vanessa – Apesar da crise e da complicação de estar em meio a tantas crianças em situação grave - que gera muita angústia pois chegamos a atender até 10 casos com problemas neurológicos num dia, estou orgulhosa da minha equipe e pela forma como a secretaria da Saúde recebeu as notificações e fez os protocolos. O grupo de 10 neuropediatras (e olha que não temos muitos especialistas da área em Pernambuco) se uniu para monitorar e fazer as notificações. A possibilidade dessa relação ter surgido lá, mesmo que o diagnóstico laboratorial tenha sido feito fora, ressalta a importância das medidas iniciais e dos cuidados, que foram nossas. Me orgulho de Pernambuco.
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