Médico narra últimos "sopros" de vida após diagnóstico de câncer
"Debruçado sobre os estudos, ficava tentando encontrar aquele que me diria qual era meu número. A maior parte dizia que entre 70% e 80% dos pacientes morriam em dois anos. Esses estudos foram feitos com pacientes mais velhos, que fumavam....
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26/07/2016 08:00
"Debruçado sobre os estudos, ficava tentando encontrar aquele que me diria qual era meu número. A maior parte dizia que entre 70% e 80% dos pacientes morriam em dois anos. Esses estudos foram feitos com pacientes mais velhos, que fumavam. Onde estava o estudo para neurocirurgiões de 36 anos não fumantes?” O questionamento partiu do americano Paul Kalanithi, residente-chefe do Hospital de Stanford, diagnosticado com câncer de pulmão. Como muitos médicos nesta fase da carreira, ele levava uma vida atribulada, totalmente voltada a sua formação e seus pacientes, na qual o casamento e a própria saúde eram relevados a segundo plano.
Quando escreveu este artigo ao jornal The New York Times, em 2013, ele ainda não sabia, mas tinha apenas 14 meses pela frente. O suficiente para o profissional promissor, com mestrado em Literatura, se reconectar com a mulher, a também médica Lucy, terem sua primeira e única filha, Elizabeth Acadia, e deixar um livro. Neste best-seller instantâneo, ele narra sua condição de paciente, que pode ser aterrorizante para quem costuma estar do outro lado do tratamento. "Como eu podia ser tão autoritário usando um jaleco de cirurgião e tão humilde numa camisola?", se pergunta em O Último Sopro de Vida, quando ainda investigava a causa de suas fortes dores nas costas e rápida perda de peso. Assim como muitos médicos, levou meses após o início dos sintomas para buscar ajuda de uma colega. "A verdade era que eu sabia mais do que ela sobre dores nas costas", ele mesmo responde, com a também usual desconfiança dos médicos que estão no papel inverso.
Apaixonado por biologia, literatura e filosofia, optou pela neurociência para buscar o sentido da vida, "ainda que diante da morte e da decadência", porque "qualquer operação no cérebro é uma manipulação da essência de nosso eu". Parte de sua história foi digitada sob luvas, para driblar as rachaduras nas pontas dos dedos provocadas pela quimioterapia. Ainda assim, não abandonou a residência. Como cirurgião brilhante que era, sabia estar diante de um câncer terminal e uma cruel inversão de posições. Ainda assim, a obra mostra que ele, como todo paciente, mantinha esperanças numa possível remissão e as incertezas no futuro, apesar da consciência do fim.
Honesto e pungente, Paul, que sempre buscou filosoficamente entender a relação entre vida e morte, identidade e consciência, ética e virtude, questiona o sentido da própria existência. Ele morreu em 2015, aos 37 anos, deixando registrada sua passagem pela Terra, seja no livro, bravamente editado por Lucy, ou na pequena Cady, com quem ainda conseguiu conviver por 8 meses e a quem o livro é dedicado.
"A visão era de que a vida não é sobre evitar sofrimento, mas sobre ter significado", resume Lucy sobre as grandes decisões tomadas no fim da jornada do marido. Sua experiência pessoal fez com que ela desenvolvesse um grande interesse pelo atendimento de qualidade e o cuidado com doentes terminais. "Hoje, morrer antes dos 40 anos é algo incomum, mas morrer não é", pondera a médica, que é plantonista em São Francisco, na Califórnia.
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