O combate ao racismo não pode ficar restrito ao mês de novembro, mas pode se valer da visibilidade dada no mês em que se celebra o Dia da Consciência Negra, para que as vozes ganhem eco e sejam ouvidas. Para valorizar o tema e revisitar os desafios diários que a população negra enfrenta, inclusive no exercício da Medicina ou no acesso à saúde, o Museu de História da Medicina do RS (Muhm), mantido pelo Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), promoveu o evento “As médicas e os médicos negros no Brasil”, na noite dessa sexta-feira, 22.
Em discurso, o presidente do Simers, Marcos Rovinski, afirmou que esta é uma discussão essencial, para a qual o Sindicato não pode estar alheio. “Queremos ser palco para que os debates transcendam os microfones, mas que estejam em todos os lugares, e que possamos garantir que todas as representatividades tenham voz e vez”, defendeu Rovinski.
Após a sua fala, a diretora do Muhm e coordenadora do evento, Isabel Constância dos Santos, fez a abertura da noite, relatando um pouco da sua trajetória como a primeira mulher negra a se tornar pediatra no Rio Grande do Sul, 50 anos atrás. “Nós ainda estamos muito aquém do que merecemos. Passamos por uma luta diária, quebrando grilhões para podermos sobreviver neste mundo. E, apesar de sermos a maioria da população, ainda somos poucos com acesso à instrução, à universidade e ocupando espaços de relevância”, prosseguiu. Segundo ela, sua trincheira contra o racismo é a porta do seu consultório: “é lá que eu luto todos os dias”.
Painéis
Além do relato de vida da pioneira, o evento contou com dois painéis com participantes que também puderam contribuir com suas impressões, questionamentos e reflexões em cima dos assuntos. A ginecologista Cleusa da Silva Conceição participou do primeiro painel e lembrou das premissas equivocadas que fazem com que muitas mulheres negras demorem mais a receber medicamentos e sejam mais expostas à violência obstétrica, como a justificativa de que têm maior tolerância à dor. “Ser ginecologista, enquanto mulher negra, permite que eu possa olhar as pacientes com outro ponto de vista, acolhendo suas especificidades, auxiliando na promoção da saúde e da educação para a sexualidade a essas mulheres”, refletiu.
Já a psiquiatra Cláudia Ávila de Moraes chamou a atenção para a cultura de sexualização dos corpos negros e as consequências que ela traz para adolescentes e adultos, mulheres e homens, que se acostumam com a objetificação por que passam e com sua desvalorização como indivíduos, como pessoas. “Vários estudos demonstram o impacto do racismo sobre a saúde mental da população negra durante toda a vida. Consequências que se apresentam desde a construção dessas pessoas durante a infância até as questões de autoestima na adolescência e de saúde propriamente dita nas demais fases”, pontuou.
Na segunda mesa formada para dar sequência à conversa, os presentes ouviram a experiência da especialista em medicina interna e atualmente residente de geriatria no Hospital São Lucas da PUC, Camila Lamb de Medeiros, e do cardiologista e clínico geral Edson Ubiratã Rodrigues Ferreira. Camila trouxe dados que apontam para uma maioria de etnia preta ou parda na fase adulta, em contraste com a redução drástica desta proporcionalidade quando se leva em conta os idosos. “Onde estão nossos pretos velhos? Como essa população, que sofre com racismo durante toda a sua vida, está envelhecendo?”, indagou.
De acordo com Edson Ferreira, o pouco acesso da população negra à saúde preventiva faz com que as pessoas pretas e pardas só procurem atendimento quando já estão doentes. Ele saudou a oportunidade de discutir o assunto e a abertura de espaços para que isso aconteça. “Não é uma conversa de certo e errado, mas uma chance de se congregar ideias e se unir esforços para que todos tenham seu lugar na sociedade”, analisou.
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