Durante a residência, a rotina do reumatologista Felipe Aubin foi marcada por uma sequência quase interminável de plantões. Ele teve de encarar diversas noites sem dormir para conseguir pagar as contas do mês e ampliar a experiência prática. Em 2012, Aubin acumulou a formação obrigatória, realizada no Hospital Santa Casa, em Porto Alegre, com outros dois trabalhos paralelos de plantonista – um no mesmo local e outro no Hospital São Lucas, da Pontifícia Universidade Católica (PUC). Foram sete meses em um ritmo intenso de atividades práticas e acadêmicas. O resultado? Cansaço, afastamento da família e 20 quilos a mais. “Eu só comia fast-food nos plantões”, recorda.
A sobrecarga de trabalho é praticamente uma regra na rotina dos residentes. O motivo principal é o fato de os profissionais precisarem buscar uma remuneração digna. Atualmente, a bolsa paga pelo Ministério da Educação (MEC) para médicos recém-formados fica em torno de R$ 3.300 (60 horas por semana). O valor, via de regra, é insuficiente para os que contraíram dívidas durante a faculdade ou precisam ajudar no orçamento de casa. Alguns têm filhos. A saída se torna, assim, recorrer aos “bicos” em hospitais e postos de saúde. “Além do fator financeiro, a ansiedade por entrar no mercado também empurra os residentes para os plantões”, afirma o médico Julio Razera, gastroenterologista e plantonista. No entanto, ele reconhece que o fator financeiro é preponderante.
Felipe Aubin, por exemplo, precisava do complemento de renda para pagar o aluguel do apartamento onde morava com a noiva, em São Leopoldo, sua cidade natal. No início da residência, acordava às 5h para ir a Porto Alegre e, não raro, emendava três dias seguidos em hospitais, sem voltar para casa. “Infelizmente, não tem como sobreviver sem fazer bico”, afirma.
Pelas normas do MEC, o residente deve trabalhar diariamente das 8h às 18h. Mas o excesso de demanda inviabiliza o cumprimento dessa norma. “Na ortopedia, por exemplo, o profissional chega às 5h, passa pelo bloco cirúrgico e ainda vai atender os pacientes que serão operados no dia seguinte. Ele só vai para casa depois das 20h”, conta Razera.
Uma das consequências mais graves dessa rotina, na visão de Razera, é a queda na qualidade de vida do médico. Casos de extremo cansaço, privação de sono e má alimentação são corriqueiros durante a residência. Além de prejudicar a formação dos residentes, os gatilhos de estresse podem desencadear a síndrome de Burnout, um distúrbio psicológico, caracterizado por esgotamento mental, frequente nesses profissionais. Em 2011, um levantamento feito pela Universidade Federal do Amazonas (UFA) constatou que 70% dos residentes encontravam-se estressados e possuíam baixo grau de realização pessoal.
Não bastassem os prejuízos à qualidade de vida em relação à saúde, os profissionais ainda correm risco de não receber. O cirurgião-geral Roger Heisler, 34 anos, conhece bem o problema. Formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em 2011, ele se desdobrava entre a residência, realizada no Hospital de Pronto-Socorro (HPS), em Porto Alegre, e os bicos em Unidades de Pronto-Atendimento (UPAs) da Região Metropolitana. Alguns desses plantões, porém, não foram pagos até hoje. “Geralmente, prometem pagar em um ou dois meses. Mas isso não acontece. No fim, desisti do valor”, conta.
Nas “folgas”, Heisler encarava ainda plantões em cidades do sul do Estado, como Camaquã. Ele recorda de quando a rotina começou a pesar. “Tentei frequentar uma academia, mas desisti cinco vezes”, conta. Não raro, ele dormia cerca de três horas por noite. Tudo em nome de uma renda melhor. “Você abre mão de várias coisas porque deseja manter um padrão de vida razoável”, explica o médico, que agora faz especialização em cirurgia plástica no Hospital Cristo Redentor, de Porto Alegre.
Para ajudar na instrução dos médicos recém-formados, o Simers criou o projeto “Me formei, e agora?”. A atividade tem o objetivo de discutir diversos temas relacionados ao início da carreira profissional – entre eles, a importância do cuidado nas escolhas dos plantões realizados paralelamente à formação acadêmica. Nos encontros, são repassadas várias dicas para evitar que os estudantes caiam em “pegadinhas” ou propostas mirabolantes (veja três delas na imagem abaixo). O projeto já ocorreu em Pelotas, Santa Cruz e Porto Alegre – e terá mais edições nos próximos meses.
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