Descompasso entre assistência e demanda de saúde mental
A Luta

Descompasso entre assistência e demanda de saúde mental

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01/06/2016 11:09

Conforme estimativa da Organização Mundial da Saúde, apenas 3% da verba da saúde no mundo são destinados a doenças mentais. No Rio Grande do Sul, os recursos para à área são ainda menores e representam 2,02% do orçamento da Secretaria Estadual de Saúde (SES/RS). A falta de capacidade do sistema público, que inclui investimento mais denso para atender à crescente demanda da população de serviços de assistência médica e hospitalar na área de saúde mental é o que mais preocupa o Sindicato Médico do RS (SIMERS). Entre os principais itens apontados pela entidade estão o descompasso entre a descentralização do atendimento e, ao mesmo tempo, o aumento de doenças degenerativas, como Alzheimer e, principalmente, o consumo crescente de álcool e outras drogas. Fechamento de leitos e aumento da demanda  A redução de espaços direcionados à assistência hospitalar de doentes mentais, resultado da chamada reforma psiquiátrica, em vigor desde 2001, é a grande dificuldade do setor, conforme o diretor do Sindicato, Germano Bonow. 160122_madrugada_pacientes_colchoes_chao_emergencia_psiquiatrica_PACS_2 A justificativa para dizimar leitos em instituições como o Hospital Psiquiátrico São Pedro, em Porto Alegre, baseava-se em um modelo psiquiátrico que previa a extinção progressiva dos manicômios e na desospitalização, substituindo esses locais de longa internação por outros recursos assistenciais integrados à comunidade. “Não reconheço no Rio Grande do Sul qualquer instituição que pudesse ser chamada de manicômio. Falava-se em 120 mil leitos psiquiátricos, em todo o país, à época que o projeto foi apresentado, em 1989. Hoje, nós temos menos de 30 mil leitos em hospitais especializados, sendo que neste mesmo período nós crescemos, em termos de população, o equivalente a Argentina, ou seja, 40 milhões de pessoas a mais”, explica. A alternativa para atender os doentes mentais, proposto pelo projeto do ex-deputado do PT de Minas Gerais, Paulo Delgado, era oferecer atendimento nos Centros de Assistência Psicossocial (CAPs), residências terapêuticas, Programa Centros de Convivência, leitos em hospitais gerais e programas de incentivo ao acolhimento por parte dos familiares, como o De Volta para Casa. “Essa ideia dos teóricos dos anos 80, da substituição de hospitais por estes meios alternativos, era baseada nos estudos do psiquiatra italiano Franco Basaglia, porém, ele diz que isto não pode ser feito de forma súbita, sem oferecer na mesma proporção os devidos espaços, pois muitos pacientes podem acabar, como acabaram, na rua”, relata Bonow. O especialista chama a atenção para o atendimento proposto por estes locais, como os CAPS, já que nenhum funciona 24 horas efetivamente, ou fornece a assistência adequada para determinados casos. A própria Dilma Rousseff, então presidente em exercício, declarou sua insatisfação com o atendimento que o Brasil dá aos dependentes de álcool e drogas.
O jornal Folha de São Paulo publicou, em novembro de 2011, trecho de uma fala de Dilma em reunião com representantes de ministérios em que, ao citar os Centros de Atenção Psicossocial Antidrogas (CAPs-AD), voltou-se para um ministro ao seu lado: “Você sabia que os CAPs-AD fecham às 18h? Você chega para o drogado e fala: drogado, são 18h. Tchau, drogado, volta amanhã”.
“O CAPs não é algo para atender urgência, para quem tem um problema ou para quem está bêbado. O que existe hoje são ambulatórios ou pronto atendimentos, como a da Vila Cruzeiro com 15 leitos, mas que muitas vezes flagramos com 26 ou 28 pessoas internadas em péssimas condições por que não têm para onde ir”, recorda o sindicalista. Em janeiro deste ano, O SIMERS denunciou flagrantes da precariedade em que são mantidos dependentes químicos e doentes com transtornos psiquiátricos no Pronto Atendimento Cruzeiro do Sul (PACS) e no Postão do IAPI, os dois do município de Porto Alegre. No PACS, pacientes dormiam no chão, sobre o piso, por falta de vagas. “Os doentes tinham plaquinha na parede com seu nome, que corresponde a uma fração do lote da emergência. Enquanto isso, dezenas de camas estão vazias, com lençóis estendidos no Hospital Parque Belém, com quase todos seus 250 leitos desocupados. Somente na área de dependência química, são 40 leitos, prontos para receber doentes”, descreveu, na ocasião, o presidente do SIMERS, Paulo de Argollo Mendes. “O descompasso entre o fechamento de leitos psiquiátricos em hospitais especializados e a dificuldade em oferecer meios alternativos para o tratamento do doente psiquiátrico levou a um desastre, a um crime com o doente mental. E a sociedade se deu conta por que tem problemas em casa, com alguém que bebe, que usa drogas, alguém que entra em surto psicótico, ou até mesmo um paciente de doença crônica que precise de tratamento prolongado, como o Mal de Alzheimer. A mortalidade na área de doenças mentais aumentou mais de 100% enquanto todas as outras causas de morte tiveram em torno de 20%”, reflete Bonow. O SIMERS acompanha com atenção a questão da reforma psiquiátrica e o fechamento de leitos especializados. Em 2014, protocolou ação na Justiça contra a portaria da Secretaria Estadual da Saúde que instituía a desospitalização dos pacientes da área asilar do Hospital Psiquiátrico São Pedro. A ação conjunta com outras entidades conseguiu frear a transferência de pacientes residentes e o desmonte da tradicional instituição.
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Leitos ociosos no Hospital Parque Belém, em Porto Alegre. Foto: Juliane Soska/SIMERS
Menos leitos e mais demandas O Brasil perdeu 23.565 leitos do SUS, de acordo com levantamento do Conselho Federal de Medicina, divulgado dia 17 de maio. A redução é de 7%, ou seja, passou de 335.482 para 311.917.  De acordo com a organização, as maiores perdas são em psiquiatria, obstetrícia, pediatria e cirurgia geral. O Ministério da Saúde responde que a redução tem relação com as mudanças na Política Nacional de Saúde Mental, voltadas à desospitalização. O argumento soa incoerente com a realidade apontada pelos especialistas ouvidos pelo SIMERS. Ao mesmo tempo em que se perdem espaços de tratamento, não são proporcionados outros locais para diagnóstico e tratamento efetivos. Enquanto pacientes ficam deitados no chão em unidades como o PACS, 242 leitos seguem ociosos no Hospital Parque Belém, em Porto Alegre, conforme constatado pelo Sindicato recentemente. O hospital foi reformado para funcionar como retaguarda para as emergências dos maiores hospitais da capital, mas isso nunca funcionou. A instituição, que é privada, vive uma crise financeira há pelo menos três anos. “É inadmissível que um hospital com estrutura adequada, leitos de UTI, emergência e internação sejam fechados enquanto é exatamente isto que falta em Porto Alegre”, alertou o diretor do SIMERS, Jorge Eltz.
Tags: Saúde Mental Fechamento de leitos Desassistência em saúde mental

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