Por que precisamos falar sobre depressão na infância e adolescência
A Luta

Por que precisamos falar sobre depressão na infância e adolescência

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26/04/2017 10:00

A depressão é, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a segunda maior causa de morte no mundo entre jovens de 15 a 29 anos. Nas últimas semanas, a nova série da Netflix, 13 Reasons Why (Os 13 Porquês), tem provocado reflexões sobre o assunto ao mostrar a história da adolescente Hannah Baker (Katherine Langford), que comete suicídio aos 17 anos após ser vítima de sucessivos abusos e não encontrar o apoio necessário. Para a psiquiatra Maria Rosa Kraemer Iorra Camargo, especialista em infância e adolescência, a trajetória da personagem principal é também a de muitos jovens que sofrem em silêncio – e não apenas nos Estados Unidos. Não por acaso, desde que a série foi lançada, a média de ligações diárias para o Centro de Valorização da Vida (CVV) do Rio Grande do Sul passou de 800 para duas mil, de acordo com a entidade. O recado é claro: precisamos falar sobre depressão, inclusive entre os mais jovens. Vale lembrar, no entanto, que apesar de mostrar uma representação da realidade, a produção tem sido questionada por especialistas por demonstrar o método como Hannah cometeu suicídio e pelo potencial de despertar gatilhos. Além disso, pode deixar a mensagem de que não há esperança. O desafio é mostrar o contrário e evidenciar que a busca por ajuda qualificada faz a diferença.
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A depressão é a segunda causa de morte entre jovens. Foto: Freepik

Para entender a depressão

Como explica Maria Rosa, a etiologia da doença nesta faixa etária é complexa e multifatorial. Trata-se de uma união entre vulnerabilidades biológicas, ligadas à genética e a fatores pré-natais, e influências ambientais, diretamente conectadas às relações familiares e ocorrências de traumas. Atualmente, porém, estudos já demonstram que o segundo caso tem maior influência nos quadros depressivos. Pesquisa realizada pelo psiquiatra americano Kenneth Kendler aponta que os fatores de risco para o desenvolvimento da depressão estão ligados em 65% dos casos com questões ambientais e em 35% com questões genéticas. “Ou seja, a ciência evidencia que nós podemos intervir em dois terços dos episódios de maneira preventiva”, destaca o médico Mário Francisco Juruena, professor honorário do Instituo de Psiquiatria, Psicologia e Neurociências, do King’s College London. Para Juruena, é decisivo no desenvolvimento da depressão o chamado estresse precoce, que ocorre a partir da vivência de situações como abuso físico, sexual e emocional, negligência e perda parental. Ele ainda aumenta em 20 vezes a chance do indivíduo depressivo em tentar suicídio – comparado a pessoas que possuem a doença, mas sem histórico desses traumas. Quando acontecem na infância, momento em que o sistema nervoso ainda está em desenvolvimento, esses traumas são ainda mais impactantes e possuem reflexos diretos na vida adulta. “Uma pessoa que sofreu abuso ou maus tratos quando era pequeno possui maior predisposição para ter um infarto do miocárdio, mesmo sem a presença de um complicador, como o colesterol alto”, exemplifica o médico.

Desassistência ainda é realidade

Embora existam projetos e iniciativas ligados à proteção da saúde mental de crianças e adolescentes, eles ainda são escassos e de pequena abrangência, restritos a centros especializados - que não costumam ser financeiramente acessíveis para a maioria da população. O papel do estado, entende Juruena, é fazer a identificação das famílias mais vulneráveis e oferecer um modelo de intervenção que possa reassegurar os direitos e a saúde de todos os familiares. Trata-se de uma questão de saúde pública que, quando negligenciada, pode ter impacto direto na sociedade. “O estresse precoce pode desencadear a depressão e aumenta os índices de suicídio, mas também faz crescer a violência, a criminalidade, o abuso de substâncias, o envolvimento com o narcotráfico e até a psicopatia e os transtornos sociais”, alerta o professor do King’s College London.

Fique atento aos sinais

Para quem enfrenta um quadro depressivo, em alguns momentos a impressão pode ser de que não há motivação para seguir. Muitos jovens falam sobre a falta de perspectivas. Nesse cenário complexo, o papel de familiares, educadores e amigos é buscar informação e não hesitar na oferta de ajuda especializada. “Vive-se num sistema imediatista, sem tempo para nada, nem mesmo para reconhecer este processo de adoecimento. Muitas vezes, as alterações de comportamentos que precedem um ato suicida são desvalorizadas ou interpretadas de uma forma distorcida, como manha ou atitude para chamar atenção. Precisamos estar atentos”, ressalta a Maria Rosa. Outra dificuldade comum, entende a especialista, é diferenciar alterações de humor e de comportamento típicas da idade daquelas que representam um quadro de depressão. A linha divisória está na persistência do sintoma e na associação com outras evidências. É o caso de queda no rendimento escolar, problemas nos relacionamentos interpessoais, diminuição no interesse por atividades que antes eram prazerosas, agressividade intensa e mesmo o uso de substâncias psicoativas.
Tags: Saúde Mental Desassistência Depressão abuso negligência

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