Com a acintosa "MP do Trilhão", o governo mostra – para quem quiser ver – que está mais comprometido com os interesses da indústria petrolífera do que com as necessidades da população
A Medida Provisória 795, aprovada em dezembro, deixa claro onde o governo pretende colocar o dinheiro da população. Não será na Saúde. Serão R$ 1 trilhão docemente doados para as multinacionais do petróleo. O que os autores da medida receberão em troca? Não sabemos. Não é por acaso que, desde a origem, a matéria ficou conhecida como a “MP do Trilhão”. A isenção de R$ 1 trilhão em impostos até 2040 é exasperante. Mais ainda quando sabemos que ela beneficia a Shell, a Texaco, a BP ou qualquer multinacional petrolífera que aproveitar a oportunidade de explorar as reservas brasileiras do pré-sal. Tudo isso com um mimo despudorado: o perdão de cerca de R$ 54 bilhões em dívidas fiscais já contraídas por empresas do setor perante a União. Comparada com outras medidas que alteram o fluxo de caixa da União, fica difícil compreender se o majestoso gesto em prol de uma indústria tão “carente” de apoio governamental representa uma burrice gritante ou apenas a demonstração do mais puro escárnio. A MP do Trilhão nasceu no mesmo ano em que o presidente cortaria cerca de R$ 800 bilhões de aposentados e pensionistas com a Reforma da Previdência – posteriormente, o Congresso reduziu a mordida para algo em torno de R$ 480 bilhões. Nasceu também na esteira da controversa PEC do Teto de Gastos, que limitará por duas décadas o aumento do investimento público em Saúde. Fora da esfera federal, tanto estados quanto municípios vivem o espetáculo da austeridade. Governadores e prefeitos parecem se orgulhar dos cortes impostos nos próprios orçamentos. Muitos deles já não hesitam em atrasar pagamentos, parcelar salários e sonegar direitos básicos dos servidores – incluindo-se aí os médicos. É nesse contexto que o governo, com a bênção do Congresso, decide graciosamente despejar R$ 1 trilhão nos cofres das grandes petroleiras internacionais. Não satisfeito em depredar os serviços públicos e a qualidade de vida da população, o governo impõe a cada um de nós a obrigação de doar R$ 4.814 para um setor que, pelos prognósticos mais otimistas, deve se tornar obsoleto nos próximos 40 anos. Nesse quesito, aliás, o Bolsa-Petróleo talvez sirva para adiar a ruína da indústria petrolífera numa época em que todos os países desenvolvidos buscam investir em fontes alternativas de energia. Resta exercitar uma espécie de otimismo patológico. Antes, nós não tínhamos a menor ideia de onde ia parar o dinheiro dos nossos impostos. Movidos pela ilusão de que a Saúde era uma prioridade, nós só podíamos supor – maldosamente, talvez – que tais recursos desembocavam nos bolsos dos grandes amigos do poder. Agora, porém, nós não precisamos mais ter dúvidas quanto a isso.O Simers utiliza cookies e tecnologias semelhantes, como explicado em nossa Política de Privacidade, para melhorar a experiência de usuário. Ao navegar por nosso conteúdo, o usuário aceita tais condições.