Apesar de ter sido sancionada em março de 2017, a lei da terceirização continuou sendo objeto de especulação e divergências ao longo de mais de um ano. Essa realidade só mudou em setembro passado. Em decisões simultâneas, magistrados de duas turmas do Tribunal Superior do Trabalho (TST) passaram a avalizar a chamada terceirização irrestrita – concedida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no mês anterior.
Uma dessas decisões envolvia um médico no Rio Grande do Sul. Contratado por uma empresa de radiologia para prestar serviço a um complexo hospitalar, ele havia ganhado reconhecimento de vínculo junto ao hospital. Com isso, deveria receber o pagamento de verbas como horas extras e indenização por dano moral. Mas a instituição recorreu. Com a anuência do STF, que em agosto se mostrou favorável à terceirização em todas as etapas do processo produtivo, o TST deferiu o pedido e o médico acabou desvinculado do hospital. Estima-se que hoje, no Brasil, existam pelo menos outras quatro mil ações semelhantes.
E a projeção é que todas elas, ou a imensa maioria, tenham desfecho semelhante. “A tendência, com o correr dos anos, é que os requerimentos de vínculo empregatício diminuam”, avalia a advogada Marise Helena Laux, especializada em direito do trabalho. Ela já representou dezenas de médicos autônomos que, quando dispensados pelos hospitais, buscaram reconhecer na Justiça o vínculo empregatício, mediante comprovação. Em muitos casos, o vínculo foi reconhecido.
Com a reforma trabalhista e a lei da terceirização, porém, a sustentação da maioria dos pedidos ficará vulnerável. E não é só isso: “Existe uma grande corrente da jurisprudência que entende o médico como alguém que possui capacidade de análise . Assim, quando ele aceita trabalhar em uma empresa terceirizada ou como pessoa jurídica (autônomo), está ciente dos bônus e ônus inerentes à atividade", completa Marise.
A prestação de serviço terceirizado pode se dar de duas formas. Contratação diretamente do profissional autônomo (pessoa física ou pessoa jurídica constituída pelo profissional) ou por meio de uma prestadora de serviços – também conhecida como facility –, que contrata o profissional pelo regime celetista, através da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Neste caso, como empregado, o profissional tem seus direitos resguardados, tais como salário mensal, recolhimento do fundo de garantia por tempo de serviço (FGTS), férias, décimo terceiro, entre outros.
Na tentativa de driblar as exigências e os compromissos da CLT, algumas prestadoras de serviços oferecem participação societária ao médico. Em boa parte dos casos, trata-se de uma participação diminuta, inferior a 1%, e sem qualquer poder de decisão. Em situações assim, há grande risco ao profissional, que assume responsabilidades por atos de uma empresa sem poder de decisão e com dificuldades para retirar-se da sociedade.
“Além de não decidir sobre o patrimônio ou o capital da empresa em que se associa, o médico pode acabar corresponsável por empréstimos, aquisição de bens e participação da organização em licitações”, alerta Maria Rita de Assis Brasil, presidente em exercício do Simers. “Ele pode, inclusive, ser obrigado a arcar com recursos do próprio bolso para honrar dívidas da empresa.”
O calote é outro risco inerente a esse tipo de sociedade. Mesmo sem receber, o profissional fica impedido de fazer uma cobrança pela via judicial. Nesse caso, ele cobraria de si próprio, já que a dívida é vinculada à sociedade da qual ele participa como sócio.
Os médicos que receberem oferta para ingressar em sociedades, especialmente quando se tratar de participações mínimas, são orientados a entrar em contato com a assessoria jurídica do Simers.
Foi com esse auxílio, por exemplo, que um grupo de oito médicos evitou entrar para o corpo societário da empresa Medicar, terceirizada que assumiu a gestão da saúde no município de São José do Norte, na metade sul do Rio Grande do Sul. A terceirizada apresentou aos médicos um contrato com uma série de empecilhos jurídicos. A pressão feita pelo Simers surtiu efeito e a Medicar recuou. Assim, ficou garantida a contratação dos médicos por meio de pessoa jurídica, a exemplo do que acontece em vários outros municípios gaúchos.
Muita gente aprova o modelo – uma prática antiga e juridicamente possível. Conforme a Assessoria Jurídica do Simers, há profissionais que preferem ter liberdade de trabalhar em vários hospitais e prefeituras, sem vínculo empregatício. Para eles, e para as instituições que desejam autonomia contratual, a terceirização tem sido o caminho.
O problema surge quando as instituições violam direitos garantidos aos médicos. É o caso do Hospital de Caridade de Erechim, no norte do Estado. No início de 2017, a Assessoria Jurídica do Simers efetuou negociação em favor de um grupo de obstetras autônomos. Os profissionais tinham duas reclamações. Uma delas dizia respeito à carência de um contrato formal. A outra contestava o valor defasado pago pelo sobreaviso. Atualmente, o contrato dos obstetras está em fase de redação. Já os reajustes no sobreaviso foram obtidos e estão sendo pagos em três etapas. A primeira aconteceu em setembro; as outras duas estão agendadas para o ano que vem.
Para a advogada Marise Laux, a terceirização é um caminho praticamente sem volta na área da Saúde como um todo. Ela cita o exemplo do Hospital Mãe de Deus, em Porto Alegre, que recentemente anunciou a decisão de terceirizar os serviços de nutrição e limpeza.
Com a medida, 350 funcionários foram demitidos. No lugar, duas empresas foram contratadas para assumir as atividades. “Outras entidades provavelmente vão seguir pelo mesmo caminho”, prevê. Ela entende que um dos desafios será lidar com as possíveis disparidades de remuneração – por exemplo, se um médico autônomo fizer o mesmo que um de carreira, mas receber menos. “Para quem decide empreender, aqueles planos de cargos, salários e benefícios oferecidos pelo hospital não existem.
De acordo com um esboço do jornal Folha de S. Paulo, feito por uma planejadora financeira certificada pela Planejar (associação do setor), por exemplo, o trabalhador celetista que ganha R$ 11.815,16 por mês precisará receber como autônomo um valor 56% maior, ou seja, R$ 18.456,07, se quiser manter o mesmo padrão de remuneração e benefícios. Já um celetista que ganhe R$ 5.148,66, terá que receber mais que o dobro, isto é, R$ 10.519,76, no modelo autônomo (entenda no quadro abaixo).
O cálculo que estipula uma média de ganho envolve diversas variáveis. O erro mais comum entre aqueles que migram do regime CLT para o de autônomo é se deixar iludir com os ganhos brutos mais elevados. Antes de chegar à remuneração líquida, o médico autônomo deve descontar alguns tributos e despesas do faturamento total.
Além do imposto de renda, é preciso recolher por conta própria o valor do INSS, o custo de contador, plano de saúde, refeições, local de trabalho, transporte, seguro de vida. E não para por aí. Convém lembrar que o médico empregado também tem direito a piso salarial, férias remuneradas acrescidas de um terço do salário, décimo terceiro, horas extras, indenização por insalubridade, periculosidade e outros benefícios.
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